02 julho 2018

Colcha de Retalhos

Depois que me aposentei, resolvi aprender a costurar e fazer patchwork, até porque o salário de aposentado não é de nenhum marajá. Desativei o quarto de visitas e instalei meu "atelier", pois um artesão para ser chique precisa de um. 

Olha daqui, mede dali, o melhor lugar para instalar a máquina de costura acabou sendo ao lado da janela, para aproveitar a luz do dia e poder dar uma espiada de vez em quando, já que o quarto fica na frente da casa e a janela dá vista para a rua.

Esse quadrado com vidros e persianas é meu contato com o que acontece fora e também o que me tira a concentração do trabalho que estou fazendo. Simplesmente impossível não parar e olhar se alguém passa na calçada pisando duro (será que está bravo, teve um dia difícil), se um carro desce em velocidade indevida (que louco, não sabe que tem pedestres na rua), ou então a rolinha que está fazendo ninho no pinheiro começa a arrulhar (deixa eu ver se já terminou o ninho, ou se a gata não subiu na árvore). 

E a vizinha passa com o cachorrinho (tão bonitinho, olha só como vai alegre), outro vizinho conversa alto com alguém (parece que não se encontram há tempos), passa o sorveteiro buzinando (esquece, você já está acima do peso), olha só quantas nuvens escuras, deve chover hoje (as plantinhas agradecem), enfim, levo muito mais tempo do que o necessário para terminar meus trabalhos, mas me sinto feliz por fazer parte da rua e do que acontece, ainda que minha presença seja invisível. Se a costura não avança, pelo menos a colcha de retalhos da vida do meu bairro se descortina janela afora.

Helenice Priedols

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